quinta-feira, 4 de março de 2010
Tudo na vida tem seu preço.
Muita gente me escreve mensagens que me deixam lisonjeada, fazem elogios e me falam do "sonho" de morar, trabalhar e estudar no exterior. Não quero nem nunca quis passar a impressão de que isso seja algo fácil. Muito pelo contrário, morar no exterior exige muito de nós. Ganhamos em muitos aspectos, mas lembre-se de que enquanto eu estou aqui correndo atrás dos meus próprios sonhos e objetivos, uma parte importante da minha vida está no Brasil. Essa parte se chama família e amigos, e abrir mão de estar com essas pessoas, de ver as crianças da família crescendo, os amigos casando e a vida se transformando, não é fácil.
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Nada na vida vem de graça. Para cada conquista, uma perda. Cada dia que eu passo fora do Brasil, é um dia a mais em que não vejo minha mãe e meu pai, não rio com meus amigos e não saio com meus amigos, vou esquecendo aos poucos como é viver em minha cidade do interior; cada dia no exterior é um dia a mais sem sentir o cheiro da comida que eu tanto adoro, sem ler as notícias que me interessam. Cada dia aqui é um dia a menos que eu vivo entre aqueles que me são importantes. E lidar com isso está longe de ser fácil. Eu vivo uma contradição sem fim: gosto daqui, tive experiências e oportunidades incríveis, mas o preço que eu pago é alto, às vezes me pergunto se não é alto demais.
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Junte-se a tudo isso as diferenças culturais, a sensação de ser sempre uma estranha pedindo licença para entrar, a falta de pertencimento e a ausência de um lugar para chamar de "minha casa". Por mais que nos acostumemos a um lugar, por mais que nos adaptemos, que falemos a língua e que nos integremos, seremos sempre estrangeiros em terra alheia. Isso aqui não é a minha casa, não é minha cultura, não é minha língua, não é o meu povo nem o meu país. Uma das maiores causas de depressão entre os brasileiros que eu conheço que moram no exterior é esse sentimento de "peixe fora d'água", de cidadão de lugar nenhum. É um golpe na auto-estima. Aqui nada me pertence, minha palavra vale pouco e tenho de viver conforme leis e costumes que até ontem me eram estranhos.
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À parte isso tudo, você ainda terá de provar que é bom o suficiente para merecer a confiança das pessoas, terá de mostrar que pode executar uma tarefa tão bem quanto qualquer europeu e que o fato de ser brasileiro não faz de você um "festeiro inveterado" 24 horas por dia. E as mulheres ainda têm a árdua tarefa de fazer as pessoas entenderam que não é por serem brasileiras e terem essa beleza considerada exótica por essas bandas, que são propriedade pública ou iscas à espera do peixe certo; terão de mostrar que gostar de dançar, ser alegre e sorrir não são sinônimos de vulgaridade ou falta de decoro social. Não estou com isso dizendo que todo europeu é preconceituoso e que não somos bem-vindos aqui. Estou tentando mostrar alguns dos desafios encontrados por quem decide viver fora. Porque embora a maioria das pessoas que aqui encontrei sejam de mente aberta, inteligentes, viajadas e abertas à outras culturas, clichês existem, imagens construídas a partir de idéias equivocadas também. E cabeças limitadas e pessoas ignorantes tem em todo lugar no mundo.
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Você não fala minha língua - Fazer-se entender é uma luta sem fim. Muitos são os equívocos originados pela falta de uma comunicação eficiente. Comunicação essa truncada pelas diferentes experiências de vida, diferentes hábitos e diferentes formações culturais e sociais. Prepare-se para fazer uma "brincadeirinha" numa roda de pessoas e ninguém rir, para se empolgar e falar um pouco mais alto e de repente perceber aqueles olhares assustados direcionados discretamente a sua pessoa; prepare-se para estar no meio de gente, na rua, numa festa, e ter de segurar o corpo para não sair dançando porque, afinal, ninguém está dançando e se você o fizer será o centro das atenções.
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Apronte-se para andar sozinha pelas ruas. Olhar montanhas, jardins, lagos, pessoas. Abrir a boca para fazer um comentário e sufocar as palavras na garganta, porque você está SOZINHA e ninguém está por perto para te ouvir. E para os locais nada disso é novidade. E seus pares - os brasileiros - ou você não os conhecerá ou os desconhecerá. Prepare-se para desconhecer brasileiros no exterior; é triste não reconhecermos nossos próprios irmãos em terras estrangeiras. Eles mudam, viram o rosto de lado, sentem inveja de você e te vêm como uma ameaça.
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Labuta - E além de tudo isso, imagine ter de trabalhar em subempregos para conseguir ir levando a vida. Engavetar diplomas e esquecer o dinheiro e o tempo investidos em cursos para trocar fralda dos filhos dos outros, limpar cozinha de restaurante, fazer faxina na casa da "Madame" e ter de pular e correr de um lado para o outro em playground, mesmo estando infeliz, frustrada e com cólica menstrual! Isso pode se tornar um círculo vicioso se você não tiver objetivos firmes e não puder contar com a ajuda de ninguém. Existem milhares de brasileiros que aqui chegaram há vários anos, e esse panorama que estou pintando nesse texto compõe o dia a dia deles. Não conseguiram vencer a barreira da ilegalidade - muitos não fazem por onde, é bem verdade - , não obtiveram ajuda e passam seus dias aqui como mão-de-obra barata, ganhando pouco, em subempregos, frequentando "guetos" de imigrantes. Quebrar esse círculo exige esforço, determinação, um pouco de sorte e ajuda, seja de amigos, namorados ou contatos que você venha a fazer aqui.
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Por fim, quero dizer que morar no exterior é difícil. Compensa, mas a recompensa depende muito do objetivo de cada pessoa. E recompensa também é algo relativo. Para muitos ela se chama dinheiro, para outros ela se chama cultura, para alguns ela se chama "marido". Para mim ela se chama experiência de vida.
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O que frustra mesmo é saber que cada esforço, cada conquista, cada batalha ganha, cada dia vivido de forma digna aqui não trará de volta os dias perdidos, os anos passados e as rugas que aparecerão no rosto de minha mãe sem que eu esteja lá para notá-las.
(Texto: - Copiado e readaptado )
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